segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Por que a música feliz é feliz e a música triste é triste

A música tem toda uma ciência por trás. Nada é por acaso, tudo tem uma razão, é feito para gerar um determinado efeito em quem tem uma certa predisposição. Quase como uma engenharia de emoções utilizando sons.
Uma das perguntas que a gente acaba se fazendo é o porquê de uma música ser triste e não alegre. Qual é a combinação que faz com que ela tenha aquele exato efeito e não um outro?

Um pouco de teoria

Escala – é uma sequência ordenada de notas, que parte de uma nota fundamental. A escala de Dó Maior é Dó (fundamental), Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si. Normalmente, as músicas seguem certas escalas. Yellow Submarine, dos Beatles, está em Sol Maior. Mais sobre Maior e Menor adiante.
Acorde – é a execução de duas ou mais notas musicais ao mesmo tempo. Um acorde de Dó Maior, por exemplo, é composto basicamente das notas Dó, Mi e Sol.
Acorde maior – é formado por uma nota fundamental, uma terça maior e uma quinta justa, formando uma tríade maior. No acorde de Dó Maior, Dó é a fundamental, Mi é a terça maior e Sol a quinta justa. Esses ordinais servem para apontar o intervalo entre as notas a partir da fundamental – assim, Mi é a terceira e Sol, a quinta.



Acorde menor – é formado por uma tríade menor: fundamental, terça menor e quinta justa.




Escalas invertidas, emoções idem

O efeito que essas escalas e acordes podem gerar muda de acordo com o modo no qual são colocados. Se for maior, as chances são grandes de que soe alegre. Se for menor, talvez soe triste. Não é tão matemático, isso pode ser influenciado por milhares de fatores, mas de um modo geral e no nível de detalhamento que estamos explorando aqui, funciona assim.
canal do Oleg Berg no YouTube transpõe as escalas maiores das músicas para menores e vice-versa. Ele não só adapta os acordes como manipula a melodia da voz e outros instrumentos para que se encaixe na nova escala.
Isso significa que ele manipula a “mensagem” implícita no som, gerando um outro resultado.
Na página tem uma porrada de músicas invertidas e divertidas. Dá pra passar uma horinha, pelo menos, viajando nessas versões alegradas ou entristecidas das canções.
Enquanto vasculhava o canal, com o fone de ouvido, em casa, tive um ataque de riso com a inversão, inclusive da letra, de Don’t Worry, Be Happy.




Um dos melhores exemplos, que não está no canal do Oleg, é a música Losing My Religion, do R.E.M. A escala maior dá um ar esperançoso a uma canção triste. Se você inverte isso, em conjunto com a letra, tem um resultado meio sarcástico.

Acordes alegres e tristes

Sempre houve muita discussão em torno das sensações causadas pela música e sobre a existência de acordes que pendem para o lado feliz e bonito da vida e outros para um mais melancólico.
Dan Lefler, professor de piano, mostra a diferença entre um Dó Maior e um Dó Menor com uma ilustração bem interessante: imagine um filme que termina em “…e eles viveram felizes para sempre”, sendo o acorde a conclusão da cena. Qual combina mais com o final feliz visualizado na sua cabeça? E qual definitivamente não combina?
Maior e menor, respectivamente.
Outra analogia engraçada é tocar o acorde maior sobre o pensamento “perdi meu cachorro na chuva”. Simplesmente não bate.



A forma como ele expressa isso  no vídeo diz muito sobre um dos aspectos que podem explicar essa tristeza ou alegria na música: a similaridade com o tom de voz.
O estudo A Terça Menor Comunica Tristeza na Fala, Espelhando seu Uso na Música, da Tufts University, de Massachusetts (EUA), explica isso já no título.
Um acorde menor se assemelha a uma lamúria ou comunicação de uma notícia ruim, por exemplo.
Outro estudo, da Universidade Kansui, de Osaka (Japão), Uma Explanação Psicofísica Sobre Por Que Acordes Maiores são ‘Claros’ e Acordes Menores são ‘Escuros’, reforça essa tese, mostrando que a terça diminuída (aquela notinha tocada na tecla preta, na ilustração lá em cima) causa a sensação de tensão e angústia, por uma suposta incompletude harmônica ao ouvido.
O acorde maior, por sua vez, parece “bem resolvido”. Entre muitas teorias parece haver um consenso: o ser humano tem a capacidade inata de perceber a harmonia e o que não é harmônico.

A mágica maior

É bom deixar claro que nem toda música em escala maior é alegre, e nem toda em menor é triste. Um amigo costuma dizer que Radiohead é capaz de fazer alguém querer cortar os pulsos com músicas na escala maior. Mas uma coisa é certa: não há quem seja imune à força emotiva da música.
Recentemente baixei o novo álbum da dupla australiana Empire of the SunIce on The Dune. O som continua “fofinho” e a proposta deles ainda parece ser acabar com qualquer barreira entre a música e aquela sensação de “own”, que deve estar localizada em algum lugar bem descaradamente sensível do coração.
Pode-se questionar a qualidade das canções eletropop da banda – mas a fofisse da música é incontestável. Para uns, isso pode causar atração e sensação agradável; para outros, repulsa e desgosto; mas a música desperta sentimentos, independentemente.
E notei algo que alegrou minha volta do trabalho, cansado, de ônibus, ouvindo o disco do começo ao fim – um padrão que já havia percebido antes, com outros artistas e músicas: dois acordes maiores em sequência me fazem bem.


Os Smiths não são conhecidos por músicas muito “pra cima”, mas essa introdução é bem alegrinha: Dó Maior e Ré Maior.




E que tal uma música inteirinha em Fá Maior e Sol Maior? Um clássico que deixa o coração quentinho.

Como compositor, sempre me peguei caindo nesse recurso quando quis trazer à tona um senso de empolgação, motivação, uma coisa boa pra elevar o espírito. Antes de mim, muitos artistas pop parecem ter descoberto essa pequena fórmula que joga uma pitada de açúcar nas músicas, sabedores do seu poder sobre a emoção humana.
Meu avô, que é pintor, costuma dizer que tem inveja dos músicos, pois, diferentemente da sua arte, em que é preciso muita interpretação do que se vê para apreciar ou não uma obra, a música vai do ouvido ao coração diretamente.

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